Arte como terapia: entrevista com Rafael Matos
Prova viva que o estímulo para a criação artística é também um dos componentes no processo psicoterapêutico, Rafael Matos é um grande orgulho não só do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (HPJ), como de toda Niterói. Tendo sua arte já exposta no Centro de Artes da UFF, Sala Leila Diniz e Sala Nelson Pereira dos Santos, uma parte da sua vasta obra está exposta dessa vez no Museu Janete Costa, na mostra “Transvendo o mundo”, junto com os artistas Marcelo da Conceição e Josemias Moreira.
“Um dia eu ainda vou expor aqui”, Rafael relembra sua primeira relação com o Museu Janete Costa, com o “Me Inclua Nessa”. O projeto faz parte do Laboratório das Artes e o Núcleo de Atividades Coletivas e Culturais, do HPJ, que acompanha e constroe processos de criação com pacientes da Saúde Mental e juntos visitam mensalmente as exposições do Museu. A arquitetura do local, a junção entre o antigo e o moderno e a história de vida da Janete Costa foram citados por Rafael como elementares para o ânimo com a exposição.
A obra de Rafael Matos, de extrema expressividade, chegou aos olhos da arte educadora Sueli Mendonça e do curador Jorge Mendes que realizaram o convite ao Rafael. “Foi a realização de um sonho”, confessou o pintor.
“As artes, no tempo, se contemplam” - Para Rafael, que estudou arte clássica e moderna, é importante a sua obra estar dialogando com arte mais contemporânea de Marcelo da Conceição e das fotografias do Josemias Moreira. “São obras tocantes e com muita profundidade - eu fiquei arrepiado com a energia delas”, disse emocionado.
Sobre seu processo artístico Rafael afirma: “A inspiração e a criação podem ser a todo momento. Primeiro a gente faz o estudo da forma, estuda a natureza, para absorver ela e depois com a natureza dentro de nós a gente poder focar na arte”, filosofa. Segundo ele, esse processo não é um método, mas um aprendizado da observação. “O artista evoca de dentro de si para expressar na tela ou no desenho. É o estilo do artista. Tem essa coisa que é muito própria dele dentro da história da arte. Todas as artes, então, se complementam de forma singular”, reflexiona.
Rafael falou que fez muita observação de modelo vivo e diz da importância de citar os seus mestres em seu trabalho, como Bandeira de Melo e Renato Ferrari. “Eu sou um eterno aprendiz”, diz ele mesmo agora estando com seus próprios discípulos, muitos deles também pacientes do HPJ, como também de estudantes de artes da Universidade Federal Fluminense.
“Estamos diante do imponderável quando se trata da história da arte”, sentencia. “O público é co-autor da obra, porque o público completa a obra. Por isso, a obra nunca está pronta e arte se renova por toda eternidade”. Nesse sentido, complementa: “A arte é a criação. E é tão difícil criar a definição de arte, porque ela é de eterna significação. Nos dá a oportunidade de ter os nossos significados sobre ela, se renovando. É um negócio religioso, está na ordem do divino”.
Sobre a assistência dada ao Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, Rafael é só elogios: “Nunca me faltou tinta, nem folha de papel, nem material”. O artista tem um espaço para seu ateliê, fruto do trabalho da equipe que o acompanha em formação multiprofissional. Recentemente, Rafael ganhou um computador para realizar animações derivado da série de editais que a Prefeitura de Niterói está disponibilizando. “Eu sou um artista, mas eu tenho minhas limitações, então graças a Deus que eu tenho esse Hospital. Não consigo conceber minha vida e minha arte se não fosse o Hospital”, afirmou.
Quando tinha 19 anos, Rafael pensava que não iria conseguir passar do desenho para a pintura, mas logo foi presenteado com tinta e pincel e passava a fazer pinturas durante suas sessões de análises. Hoje domina as técnicas de tinta óleo, pastel seco e aquarela…
Há 8 anos acompanhando Rafael, a artista psicóloga do HPJ, Clara Lobo, relatou a emoção de estar ao seu lado: “O trabalho dele só cresce e é bonito acompanhar o processo. O momento das exposições é importante, mas o processo de ver ele cada dia construindo um desafio diferente, conquistar os materiais, ampliar o trabalho e crescer em todas as dimensões é uma honra de acompanhar”. Clara lembra que a parceria com o Museu Janete Costa é antiga, que eles têm uma política de inclusão muito verdadeira. “Era um desejo de todos que o Rafael pudesse expor no Museu”, comemora.