Seminário 30 anos de Redução de Danos
Na perspectiva da redução de tabus, no combate ao preconceito e na busca da garantia da saúde integral de toda população, o Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF), da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Campus do Gragoatá, sediou o Seminário de Políticas de Atenção ao Uso Prejudicial de Drogas. O evento foi organizado pela Coordenação da Saúde Mental da Fundação Municipal de Saúde (FMS) de Niterói na quarta-feira passada (06/11) e contou com a presença de cerca 70 profissionais e estudantes das áreas de saúde, educação e assistência social. A atividade serviu para capacitar os participantes nos estudos e práticas da Política Nacional de Redução de Danos (RD), que completou 30 anos de existência no Brasil.
Na primeira apresentação, Alexandre Trino, diretor do Consultório na Rua, conceituou a Redução da Danos como ética do cuidado, uma estratégia de atenção à saúde com a intenção de reduzir vulnerabilidades e riscos no contexto das drogas e em defesa da vida. "É preciso garantir uma produção de cuidado que garanta autonomia e o protagonismo do usuário, no acolhimento e olhar para o outro sem preconceitos e contando com o trabalho intersetorial entre a Atenção Básica, que conhece o território, com os conhecimentos específicos da Saúde Mental", afirmou. O Consultório na Rua é um serviço itinerante que presta atendimento de saúde para pessoas em situação de rua.
Mediado pela diretora do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD Alameda), Marcela Garcia, a mesa contou ainda com Rodrigo Simas, da Política de Drogas do município do Rio de Janeiro. Rodrigo fez um apanhado sobre os protocolos e diretrizes do Ministério da Saúde que desde 2003 instituiu a Política de Atenção Integral aos usuários de álcool e outras drogas, fortalecendo a formação e aprimoramento dos CAPS e das Comunidades Terapêuticas. "A rede ampliou os serviços, a sociedade tem debatido o tema e aumentaram os eventos de discussão da Redução de Danos diante das tentativas de priorizar a política de internação e abstinência", afirmou.
Na fala dos dois participantes era evidente que os malefícios de proibição e da guerra às drogas, apoiadas em discursos moralistas, são mais penosos e fatais do que o uso controlado das mesmas caso houvesse regulamentação e acompanhamento da saúde. Rodrigo exibiu o vídeo "Animação sobre guerra às drogas" da Plataforma Brasileira de Política de Drogas - animação que pode ser vista no YouTube - em que faz um apanhado histórico de que o controle sobre as substâncias sempre veio acompanhado do controle em cima de certas populações marginalizadas: os chineses na proibição do ópio no Estados Unidos; ou a maconha para os negros escravizados e indígenas no Brasil. O vídeo alerta também que a punição para usuários e traficantes de outra classe social e cor de pele é sempre diferenciada.
Em seguida, foi apresentada uma peça de teatro organizada pelo grupo de assistência social da Companhia de Limpeza de Niterói (CLIN) com os próprios garis, o + Vida. Na trama, encenada de forma descontraída, é relatado que o conflito familiar pode levar a pessoa a morar na rua e estar suscetível ao uso e venda de drogas e de como é possível procurar ajuda com dispositivos de assistência como o Centro Pop, situado na Rua Coronel Gomes Machado, 279, no Centro.
À tarde, durante a mesa redonda sobre “Práticas e Questões Atuais", o advogado criminalista, Joel Costa, afirmou que as políticas de combate às drogas no Brasil sempre foram destinadas ao controle da população negra. “Desde o descobrimento, quando os escravos trouxeram a maconha para os seus rituais, teve início um processo de perseguição, discriminação e exclusão do homem negro, pobre e marginal. Não há política pública dirigida aos usuários da Zona Sul. Quem sempre sofre com o pé na porta são os moradores das favelas”, comentou.
Alcenir Veras, representando a CLIN, falou na ocasião sobre a parceria entre FMS e a companhia, que implantou há 10 anos um programa de Redução de Danos cujo o público alvo são os próprios garis da empresa. Falaram também Vanusa Gomes, do programa de Redução de Danos de Niterói, e Beatriz Adura, do Grupo Gsex, da Faculdade de Psicologia da UFF, sobre a questão da transexualidade.
Com o tema “Atravessamentos, Resistências e Invenções”, a última mesa do dia reuniu o delegado de polícia civil do Rio de Janeiro, Orlando Zacconi; Márcia Altanázia, do Programa Redução de Danos de Niterói, e Arlete Inácio do CAPS AD Alameda. Para o policial, a política de drogas no país busca duas formas de intervir: a médica e a jurídica. “No Brasil, algumas drogas foram escolhidas para serem proibidas e outras liberadas, como o álcool e o fumo”, comentou Zacconi.
Segundo Arlete Inácio, o Projeto Cultura a Céu Aberto é uma estratégia de redução de danos, cujo principal público alvo são os dependentes químicos em situação de rua. Para eles, a iniciativa oferece o Cine Praça, onde toda primeira quinta-feira do mês, os usuários de álcool e outras drogas se encontram, às 17h, na Praça São João, para uma sessão de cinema ao ar livre. Já o Praça Cultural é uma iniciativa que reúne o mesmo público toda terceira quinta-feira do mês, também às 17h, na Biblioteca Parque, no Centro.