Principal
Banner

postheadericon Entrevista: Diretor do HPJ, Sérgio Bezz, lança livro

 

Na quinta-feira (03), às 18h, acontece na Sala Carlos Couto, do Teatro Municipal de Niterói, o lançamento do livro “Psicanálise e Psiquiatria: Entrevistas de pacientes na transmissão e no ensino”, publicado pela Editora Appris. A obra é escrita pelo psicólogo, psicanalista e diretor do  Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (HPJ), Sérgio Bezz. O trabalho, derivado da sua tese de doutorado, relata processos de acolhimento e cuidado na Saúde Mental. Ele conversou com a nossa equipe sobre a construção da obra.

Como foi o retorno da apresentação da sua tese de doutorado? Como se animou para transformar em livro?

A defesa da tese foi um momento bastante rico pela discussão produzida e comentários dos professores do campo da psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) que compuseram a banca. A publicação foi uma indicação deles pela importância da temática para os trabalhadores e alunos do campo da saúde mental. Mantenho contato desde então com o renomado professor da Unicamp que compôs a banca, Mário Eduardo Costa Pereira, que escreveu o belo prefácio para o livro com o sugestivo título “testemunhando o parto das palavras”.

Quais os pontos principais da sua pesquisa?

É uma pesquisa que aborda fundamentalmente sobre a necessidade de valorização da singularidade de cada sujeito através de uma escuta orientada pela psicanálise. Minha prática desde 1997 no Hospital de Jurujuba, na assistência e nos programas de formação, trouxe a urgência de transmitir um dispositivo que sustentamos em vários tempos na instituição, chamado classicamente na psiquiatria de apresentação de pacientes. Fiz um trabalho de rememoração do que foi esse dispositivo classicamente no campo psiquiátrico para sustentar sua modificação realizada pelo psicanalista Jacques Lacan, referência em minha formação que inspirou o modo como realizamos no HPJ. Desse modo, trata-se de uma aposta ética nas entrevistas de pacientes onde o valor de sua palavra é central, ressaltando seus modos subjetivos de lidar com sua loucura, seu sofrimento humano e suas potencialidades. Trata-se de uma aposta ética em dar um lugar à existência da loucura como expressão do humano, e também à discursividade própria do psicótico.

O livro é também uma forma de resistência, de preservação de nossa memória, da nossa história, para isso recorri a personagens do campo psiquiátrico e psicanalítico de Niterói, com os quais tive a oportunidade de entrevistar em público. Essas entrevistas com Eduardo Rocha, Raldo Bonifácio e Uerley da Costa constam no livro.

Que recuperações de usuários você destacaria nesse percurso?

Nesse trabalho realizado no livro registrei casos com evolução difícil, críticos, que interrogavam as equipes. Foi preservada evidentemente a confidencialidade exigível. São situações clínicas que implicam diretamente o engajamento e a posição de quem atende, seu modo de leitura que está sempre de acordo com sua formação e sua própria subjetividade.

Assim pôde-se constatar que os fatos clínicos em psicopatologia implicam o clínico em causa, seu saber, virtudes, mas também dificuldades. Daí a importância fundamental em discutir o que uma entrevista com o paciente pode permitir ou obstruir ao paciente formular, ele mesmo, seu modo de viver seus sintomas e sofrimentos, recuperando assim sua dignidade discursiva própria. Um dos pacientes bastante comprometido na fala, em uma espécie de mutismo esquizofrênico, após a entrevista, onde a condução da entrevista permitiu sua fala se desenvolver, recobrar sua memória e as músicas que compôs um dia. Ao final nos diz: “nasci de novo”.

As surpresas construídas nas discussões dos casos, ou através da própria palavra do paciente convidado a falar iluminavam caminhos para o trabalho, as decisões necessárias em sua dimensão individual e social. Daí a importância em criar lugares institucionais para as equipes discutirem esses casos, e assim melhor situar a direção para os tratamentos muito difíceis com os quais lidamos, e consequentemente melhorar a condição daquele sujeito em causa.

Como conciliar o ambiente hospitalar com a prática da reforma psiquiátrica?

É uma questão importante e muito atual. O hospital de Jurujuba está completando 70 anos em 2023. Desde a década de 1990 com a municipalização da saúde em Niterói e a criação dos primeiros dispositivos extra-hospitalares de saúde mental nos ambulatórios e a seguir com os CAPS já houve um importante redimensionamento do hospital, diminuindo bastante seu tamanho. Desde então o HPJ vem sofrendo um processo de modificações absolutamente afinado com o processo da reforma psiquiátrica no SUS, com uma potente articulação em rede. Para isso o trabalho nos espaços de convivência, nas diversas oficinas terapêuticas, de realizações artísticas dos pacientes, além de projetos culturais na cidade apontam para um caminho de transformações do HPJ.

Com a perspectiva de abertura dos CAPS III (24 horas) em Niterói, temos a expectativa de diminuição gradual da demanda de internações no HPJ, pois esses dispositivos responderão cada vez mais às crises. Que a experiência trazida neste livro tenha acontecido em contexto hospitalar psiquiátrico não deve levar a supor, portanto, a necessidade do hospital como único recurso para o cuidado intensivo em momentos de surtos agudos, ou de graves desenlaces de psicóticos no campo social. Propor uma internação sem abrir mão de conquistas fundamentais da reforma psiquiátrica brasileira foi o que encontrei no Hospital de Jurujuba, com a particularidade da busca da inclusão da palavra dos pacientes e daqueles que o acompanham a partir de uma clínica sob transferência. Trata-se de um desafio, e poderá servir de aposta para outros dispositivos extra-hospitalares, e futuramente na oportunidade da abertura de leitos psiquiátricos em hospital geral na cidade.

Qual a importância do legado de Lacan nos trabalhos realizados no HPJ?

Sérgio A presença da psicanálise como referencial no HPJ é notado desde a década 60, com algumas iniciativas contadas no livro. No entanto, foi somente na década de 90, com o avanço das instituições de formação psicanalíticas Lacanianas no Rio de Janeiro, e a entrada de psicanalistas formados nessas instituições nas Universidades que Lacan passou a versar nos currículos dos cursos. Desse modo, foi na conjugação do interesse de professores da faculdade psicologia da UFF no trabalho com a psicose desenvolvido no HPJ, que também contava em seus quadros com psicanalistas em formação, onde me incluo, que ampliou-se consideravelmente o número de alunos no hospital e na rede extra-hospitalar. Consolidou-se assim os programas de formação em saúde mental existentes até hoje.

Portanto, o diálogo entre a psiquiatria e a psicanálise encontrou um terreno muito favorável no HPJ desde então, com períodos mais ou menos intensos e sistematizados. Nesse sentido, o livro interroga sobre quais seriam as condições institucionais para manter esse diálogo vivo, examinando a experiência realizada em tempos distintos na instituição.

De que maneira seu livro poderá impactar estudantes e profissionais da Saúde Mental?

O livro explicita quais foram e são alguns dos fundamentos clínicos e teóricos para uma transmissão que orientou a mim, e alguns outros, nesses anos de trabalho nos programas de formação que sustentamos nas últimas duas décadas. São inúmeros profissionais que atualmente estão em coordenações de serviço e na assistência em Niterói, e em muitos serviços no Rio de Janeiro que passaram por um desses programas, seja de residência em psiquiatria e multiprofissional, de Acompanhamento Terapêutico ou nos estágios.

Para aqueles que se iniciam na prática no campo da saúde mental irão encontrar neste livro uma dimensão clínico-teórico do trabalho, onde o laço com o paciente e sua palavra devem ser colocados no centro, sem reduzir sua fala a uma mera fonte de informações objetivas para fins de enquadramento diagnóstico ou servindo a um reducionismo medicalizante.

A aposta é que possamos ter equipes bem formadas para o trabalho no SUS. É parte de nossa missão no serviço público.


 
DIGITE SUA BUSCA
Banner
Banner
Banner
Banner
Banner
Banner
Banner
Banner
Banner
Banner
Banner