postheadericon Setembro Amarelo chega ao fim mas mantém preocupação

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Dia cheio na programação do Setembro Amarelo na manhã da última sexta-feira (27) com dois eventos realizados pela rede de saúde municipal de Niterói no combate ao problema do suicídio. Organizado pela Coordenação de Saúde Mental da Fundação Municipal de Saúde (FMS), um seminário com quatro especialistas lotou o auditório da Universidade Salgado de Oliveira. Enquanto no Hospital Municipal Carlos Tortelly ocorria um curso sobre a abordagem ideal desses casos promovido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) da Metropolitana II.

No seminário, o foco principal foi como esse fenômeno atinge os adolescentes. A mediadora Renata Monteiro, professora de Psicologia da UFF, iniciou os trabalhos afirmando que novas subjetividades surgiram com o advento das redes sociais. “Na leitura do mal-estar social atual, uma condição inerente da humanidade que leva ao sofrimento, precisamos observar como nossa relação com a palavra e seus sentidos mudaram”, afirmou.

Na continuidade, Luciana Gajeiro, professora de Educação da UFF, trabalhou o conceito de desamparo, recorrendo a Sigmund Freud: a perda da criação de laços, da narrativa sobre si e de um projeto de futuro. O jovem perde a conexão com a família e a sociedade não consegue ser substituta dessa necessidade de um acolhimento, ainda mais quando procura reduzir desvios de personalidade com diagnósticos médicos ou sentenças criminais.

“De acordo com Miriam Debieux, estamos diante de sofrimentos sociopolíticos, de um esvaziamento do sentido de vida e da própria identidade. É necessário, portanto, a construção de espaços coletivos que retomem o desejo pelo Outro e que sejam uma resistência frente à alienação do modelo neoliberal que cria vulnerabilidades e fragilidades”, sugeriu.

A FMS realiza notificações dos casos de suicídio e o Programa Médico de Família está equipado para realizar a busca ativa para essas pessoas serem inseridas nos dispositivos de Saúde Mental, em uma escuta que nem sempre deve ser acompanhada de uma intervenção medicamentosa. Para Mariana Espinosa, coordenadora do ambulatório de Saúde Mental da Policlínica Sergio Arouca, a maior aposta deve ser na prevenção.

Segundo ela, ao tratar dos estudos do David Le Breton sobre autolesões, ação comum entre jovens angustiados, mas que não deve ser rotulado automaticamente como comportamento suicida, a dor é um resultado do esvaziamento do Eu e a pele machucada revela a dificuldade de lidar com essa fronteira entre a pessoa e o mundo. “Por isso, enquanto profissionais de saúde, devemos acolher, mas tendo a certeza que a saída do sofrimento é particular e que não cabe ao nosso julgamento”, afirmou.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio tem crescido e já é a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29, o que revela uma preocupação mundial sobre o tema.

Finalizando o seminário, Lina Gomes, coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da Casa do Largo, relacionou o aumento dos casos com as exigências da sociedade contemporânea em produtividade, eficiência e consumo. “É preciso perceber e ensinar que a frustração faz parte da vida, que as constituições familiares estão mudando e que fatores socioeconômicos, como o racismo e a pobreza, são determinantes para as particularidades de cada caso", concluiu.

Evento no SAMU – Já o evento no Hospital Municipal Carlos Tortelly reuniu mais de 100 participantes, entre equipe técnica do SAMU Metropolitana II (Niterói, São Gonçalo, Maricá, Rio Bonito, Tanguá, Silva Jardim e Itaboraí) e profissionais da Saúde Mental. Os presentes receberam uma aula do bombeiro Capitão Evangelista sobre a abordagem técnica de urgência nas tentativas de suicídio. Foram tratadas as estratégias para a melhor forma de dialogar, na tentativa de evitar o destino trágico daquela pessoa angustiada.

Segundo a coordenadora regional de Educação Permanente do SAMU Metro II, Olguimar Dias, o evento foi um sucesso absoluto para promover formas de prevenção dessa problemática: “Desde 2017, estamos registrando e trabalhando com as notificações de suicídio e neste evento, além dessa importante capacitação aos profissionais prestada pelo Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ), discutimos os dados que apontam um aumento dos casos, motivo de preocupação entre todos nós". Ao final do evento, Olguimar se reuniu com os gestores de Saúde Mental presentes para alinhar melhorar o fluxo de atendimento para as pessoas que passaram por essas tentativas notificadas.

De acordo com o coordenador de Saúde Mental, Carlos Castro, “este é um assunto que precisa superar seus tabus e estigmas que dificultam o acesso aos serviços. O Setembro Amarelo serviu para mobilizar a saúde de Niterói dando maior valor aos fatores de proteção e construção de redes de apoio do que avaliar apenas riscos e doenças. Mas isso tudo é uma política pública de governo, não apenas da saúde mental. Por isso que já iniciamos e vamos expandir projetos em escolas e bibliotecas, para lidar com as variadas formas de violência e conscientizar as pessoas que perdas e tristezas fazem parte da vida de todos”.

Para procurar ajuda - Além desse trabalho de prevenção e de todos os dispositivos físicos que a FMS dispõe para a população - residências terapêuticas, ambulatórios, CAPS, Centro de Convivência e Cultura e Hospital Psiquiátrico de Jurujuba -, desde 2017, a ONG Centro de Valorização da Vida (CVV) recebe ligações gratuitas, através do número 188, para conselhos e acolhimento por telefone para todos aqueles que passam por momentos de angústia e depressão.